8.5.09

E agora?

Essa noite ela está só. O marido saiu em viagem. Foi fazer um curso relacionado à profissão. Ela está em casa, sozinha e se dá conta, que não está apenas só, mas que está solitária. Talvez outras mulheres, no lugar dela, ficassem preocupadas com as mulheres bonitas, saradas e de alto astral que participam desses cursos de profissionais de educação física, mas ela não. Está sim, preocupada com as suas emoções, afinal teve que olhar para si mesma.

"que sensação estranha, ter que encarar que sempre quis estar agradando alguém, mas nunca a mim mesma? E agora? O que posso fazer para me agradar?" Enquanto se questiona, o rádio toca. Ela está ouvindo uma entrevista com Simoninha, aproveitando o tempo para limpar a cozinha, a geladeira enquanto toma um vinho, lava, lava, lava, como se quisesse lavar a própria alma, mas sem saber exatamente o quê precisa ser levado embora pela água. Feliz? Sim, confirma a si mesma, só, mas feliz.

Cansada, senta-se para saborear um vinho, um dos seus prazeres. Aproveita pra ler o rótulo, sentir o paladar das uvas utilizadas e tudo isso acompanhado de música que remetem a sua adolescência. Está satisfeita consigo mesma, alegre, sentindo-se capaz de ficar bem sozinha. Contudo a dúvida começa a se instalar em seus pensamentos, como se fosse um diabinho fazendo perguntas a consciência dela começa a açoitá-la:

- É melhor você trabalhar, anda logo.

- Quem sabe. Ela pensa.

- Como quem sabe? Tem outra opção?

- Estou pensando...

- Ha,ha,ha,ha.. a sua única opção é estudar sozinha, organizar o trabalho que traz pra casa, ou ficar morrendo de tédio na frente da tv. Até parece que, você tem outras opções! A sua única opção está viajando. Viajando! Viajando! Deixou você sozinha, com você mesma, abobada sem saber o que fazer. E você sozinha, só sabe fazer serviço, limpar, trabalhar e organizar as coisas, está perdida, perdida, perdida... Ha,ha,ha,ha..

- Isso não é verdade. - rebate ela preocupada.

- Ah, não?! Então liga pra alguém. Liga!.- Argumenta a vozinha dentro dela.

Então, ela levanta-se da cozinha e começa a procurar alguns amigos na agenda do celular, e olha, olha, olha, tudo o que encontra são contatos de trabalho, não um amigo com quem realmente tenha vontade de conversar. Ultimamente o seu único amigo tem sido o marido, o seu semblante se entristece, resolve fazer outra coisa. Sempre que ela se sente confusa, resolve organizar algo, pra ver se consegue organizar também os próprios sentimentos, confirmando o que a "vozinha" havia soprado em seus ouvidos. Apesar da consciência, foi fazer uma arrumação no quarto.

Entrou no quarto e ficou pensando que esta noite teria que dormir sozinha, com o lugar do marido vago, de novo a sensação de vazio. "Arrumação vamos lá! Por onde começar?" O local é pequeno, com uma cama de casal, dois criados mudos, uma cômoda e um guarda roupa. Aconchegante, com a cara do casal. Adornado, com objetos cotidianos dos dois e detalhes de cada um. Satisfeita com que via, resolveu arrumar o guarda roupa e aproveitar pra se desfazer de coisas que não usava mais. Abriu o armário e começou a tirar tudo o que estava lá dentro, roupas suas e do marido que não usavam mais, na separação do que deveria ficar e do que deveria sair, encontrou um envelope endereçado "ao meu amor", mas não reconheceu a letra. Ficou entrigada, "o que é isso?" Queria abrir e ver o que tinha dentro, contudo, não sabia se devia, andou pelo pequeno quarto com o envelope na mão, largou-o em cima da cômoda, e continuou o que estava fazendo, tentando a todo custo esquecer o que tinha encontrado, até que a "vozinha" a afetou novamente:

- Anda, abre logo! Está esperando o quê? Claro está com medo de descobrir o que é. Covarde! Covarde! Covarde!

- Não sou. Mas e se não for pra mim? E se for pra outra pessoa? E se ele recebeu de alguém.

- Então abre logo. – a "vozinha" incitou.

Lentamente, voltou até o envelope e abriu, encontrou um pequeno bilhete, escrito com uma letra irreconhecível, mas não incompreensível. "foi maravilhoso ter te encontrado." Sobressaltou-se, quem poderia ter escrito isso? Não havia assinatura só o número 1, ao final. Enlouquecida com isso, começou a revirar todas as roupas dele, bolso por bolso, calças, camisas, bermudas e nada. Pra quem? Pra quem ele escreveu isso? A vozinha sussurava a todo momento. Até que resolveu sufocá-la e ser firme, "vou descobrir". Revirou o guarda roupa e nada, gavetas e nada, caixas de sapatos e nada. Não encontrou mais nada, resolveu deixar pra lá, mas a "vozinha" teimava em sussurrar "E agora? Pra quem será?" Já estava exausta quando resolveu deitar-se, levantou os lençois, arrumou os travesseiros e lá estava o número 2, o 3, o 4, o 5... Olhou um a um e deleitou-se, deitou-se e dormiu tranquilamente, com as emoções colocadas nos seus devidos lugares.

Um comentário:

RODE POR AQUI DEIXANDO SUA OPINIÃO.